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a superficie

a s u p erfl c i e

Josh Rowe '12

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Eu sabia que havia alguma coisa quando voce nao vottou.

Eu SABIA. Voce nao aparecia todos os^ dias, mas era consistente. As vezes voce vinha as 8h antes de dar aula, ou as vezes ao meio-dia durante o intervalo. Mas voce sempre aparecia, pelo menos uma vez por semana e ate tres vezes.

Voce sempre sentava em urn lugar diferente. Nossas conversas nunca foram nada de se reparar Muitas vezes so trocavamos um "Oi" e voce pedia as vezes um suco de laranja as vezes um bagel, ou um cafe—sem aqucar, claro. Nos dias que voce estava mais disposto a falar voce soltava um "Tudo bem?", mas so, e voltava a se ocupar. —Oi. —Bom dia —Tudo bem? —Tudo. Um donut, sem recheio e um cafe por favor. —So um minuto. E foi assim por cinco anos seguidos.

Duvido que voce percebesse qualquer parte de mim no diner. Seu olhar nunca demorou nas minhas coxas, nunca acariciou minhas ancas, nunca travou quando eu buscava dobradinha, alguma coisa ou outra de baixo do balcao. Para ser justa, eu tambem nunca te dei razaopara desconfiar da minha tachada composta.

Aquela altura eu era tfmida e reservada. Sempre busquei seu pedido rapidamente, sendo atenciosa mas nao demais. Nunca demorei no meu serviqo, e depois de te servir eu seguia para uma outra parte

do balcao para atender aos outros fregueses. Eu era a garqonete de um diner qualquer.A quete serve. A que nunca deixa que sua caneca se encontre vazia A que voce nunca lembra porque ela ja foi esquecida

Nada traiu meu sigilo—nenhum toque sem querer movimento fora do lugar; ou segurv do olhar para tras. Sofri, mas contive a paixao revoltada que borbulhava pouco, por baixo desse sorriso modesto meu.

Cinco anos me controlei, dissipando o calor que surgia por baixo do meu avental quando voce entrava por aquela porta

Nao sei quantas vezes eu supliquei ao meu corpo, que ele nao me desvendasse, que voce nao percebesse a humidade que encharcava minha calpa

Foi impossi'vel suprimir o que transbordava quando eu assistia voce saborear delicadamente cada migalha Assim eu imaginava que voce me saboreava...

Eu bem podia ter puxado assunto com voce. Eu devia Alguma coisa do tempo, uma pergunta sobre onde voce trabalha, ou algo do fim de semana A rotina poderia ter nos aproximado, Deus sabe que havia tempo suficiente. Eu perguntaria como estavam as aulas, voce responderia que a meninada deste ano e mais cabepuda do que a do ano anterior mas que eles aprendem bem.Voce faria graqa perguntando se eu tinha mudado alguma coisa na receita do cafe, e eu responderia que so se a cafeteira tivesse quebrado, porque voce bem sabe que nada nesse diner muda nunca

-0s E gradualmente a gente se W- falaria mais, Um dia voce me "A convidaria para sair, eu recute- sana, dizendo que eu trabalho tre muito.Voce sabe como e com >ra tudo que tern que ser feito em casa.. Mas voce insistiria e me surpreenderia, me esperando >vi- do lado de fora do diner no fiin- nal do dia E tudo aconteceria ias muito rapido, e bem... ue Eu podia ter dado esse prixo meiro passo... E quantas vezes 5U, eu queria! Mas eu nao conseis- gui lan^ar o papo. Eu temia que or o canto de minha boca talvez Jo tremesse, que eu falasse a coisa ta. errada que voce desconfiasse u- da limpeza anormal dos pratos :le que eu te trazia Limpar era a :e unica maneira que eu conseJe guia desviar o tesao que me ;a inundava o tesao da sua preje senqa Foi na agua calorenta, s- ensaboada lubrificada que eu a- despejava a vibraqao que me :u vascolejava > Na superfine lisa estava tudo normal. Mas ela so es0 condia o tumulto de maos suba mersas, de dedos que deslizaia vam e exploravam a forma de e cada copo rigido, de cada faca i- mordaz. Cada canto que eu s sentia era um dos seus cantos, e Como eu queria conhece-los. O pouco que eu sabia de voce eu roubei dos gr'rtos alegres do seu amigo professor. 3 Ele as vezes sentava junto."Pois. > se nao e o famoso John Land: ers! Ilustre professor de ingles 1 da primeira serie e guardiao de i haute cultura na nossa prisao, desculpa, colegio."Voce so sori na e bebia goles do seu cafe. : Eu via pelo canto do meu olho. E uma semana voce nao apareceu.

Voce achou que eu nao la perceber? Que eu ia inventar uma desculpa? "£), talvez ele nao gosta da comida daqui," ou, "Talvez ele achou um emprego num outro lugan" Nao. Ninguem frequenta um diner por cinco anos e do nada dissolve no ar. Ninguem sai sem dar sinal de vida, sem reaparecer nem sequer uma vez!

Depois da segunda semana ja comecei a ficar preocupada. Os onibus da escola iam e vinham todos os dias, entao voce nao estava de ferias. Nenhuma entrada ou sai'da pela porta do lanchonete escapou sem ser investigada, sutilmente claro.

Depois de um mes liguei para a escola e pedi para falar com voce. Desliguei envergonhada. Foi a escola errada. A quarta vez eu acertei: John Dewey Central High. Fingi que eu era uma conhecida sua, uma professora de uma outra escola.

A recepcionista foi simpatica mas o torn dela era triste. Ela me relatou que quatro semanas atras voce tinha desaparecido. Ela acrescentou que voce era um dos melhores professores do colegio, mas que um dia voce nao chegou ao trabalho. Foi estranho, ela explicava, porque voce nunca faltou antes. Ainda mais, desde entao ninguem descobriu nada novo. Desliguei apavorada.

Comecei a ler os jornais compulsivamente. Todos os dias eu vasculhava os obituarios, buscando teu nome entre os de avos queridos, tias, e maridos recem-partidos.

Quando mais um mes passou e nao descobri nenhum rastro seu fui para a biblioteca. Puxei os jornais da cidade toda e me assegurei de que nada tinha me escapado nos ultimos dois meses. Durante horas e dias eu procurei ate que meus dedos enegreceram de tinta. Tres vezes eu li os obituarios da cidade inteira.

James Wilkenstein - Avo e marido adorado...

Nao.

Susan Rawl...

Nao.

Johnathan Landsworth Marido e filho amado. Morreu no dia 4 de abril aos 65 anos...

Caralho! Nao!

As tragedias nessas paginas me assaltavam e encurralavam. Houve vezes em que senti que eu ia enlouquecer lendo elas. Nao pude parar de projetar voce em cada catastrofe que li.

Passaram mais dois meses. Comecei a perder o sono pensando em voce sentado ao balcao. A cena que assisti por cinco anos passava sem parar: voce levando a caneca aos seus labios delicados, voce respirando fundo, e, gole por gole, tomando o liquido preto e quente, depositando-o para fundo. O seu fundo. Agora voce penetrou o meu. E como voce mexia com ele, mesmo desaparecido. Talvez mais do que nunca.

Entre as tragedias diarias nos jornais nenhuma foi igual a que eu vivia cada hora enquanto eu trabalhava nesse diner, e cada vez que eu frtava essa porta maldita por qual voce deixou de entrar. E um dia eu te vi.

...continua na proximo ediqao